quarta-feira, dezembro 15, 2004

To be or not to be....

Tocava a campanhia, a voz no intercomunicador, riso escondido, «desço ou ainda sobes»? O ainda era tão prometedor....; «subo». O olhar maroto, «estás com muita fome»? Ás vezes. A de ti, pelo contrario, gemia sempre alto nas entranhas, à medida que o crepusculo da sala afagava esse andar de mulher madura, cruel de tão lento, sabendo-me na sombra maravilhada dos seus passos. O rodopio gaiato, que só fazia adejar a saia porque ela se agarrava, teimosa, ás ancas, enquanto, mais livres, duas coxas de luto alegre lhe fugiam, elegantes, rumo ao chão.. « Vai daí»? O sorriso, de tão aberto, substituia convite de mãos ou boca. E tu à espera, maliciosa, eu a custo segurando as redeas do desejo, toda a pressa me tornaria culpado e vitima de crime aceitavel nos garotos mas assassino em quem já desce a outra encosta dos anos, seria como ter pressa de chegar ao ultimo verso de um poema. A cabeça inclinada para trás, o cabelo em liberdade pelo chão, o pescoço, longo e arqueado por solidariedade com os rins, à mercê da minha lingua, escondendo gemidos que acabavam por se escapar, para meu alivio e orgulho infantis. Botão a botão, até os dedos se perderem por montes e vales, os teus por perto, ás vezes ensinando-lhes o caminho, crispados ao anuncio da caricia desejada; e partindo, ligeiros, a libertar-me tambem de prisões o corpo, que se juntava à nudez completa e agradecida que vestia a alma. O requebro da cintura e a saia, como por milagre na alcatifa, entre nós e a lareira, apagada por inveja do fogo a seu lado. Meias, rendas, os sapatos altos com tiras que suportam os pés das mulheres sem os vestir, tudo se juntava a saia com lentidão suave, sem momentos penosos de atrapalhação...; como se já tivessemos nascido entrelaçados. As palavras tontas. A que só respondias, com alegre vergonha, quando afundavas em mim lábios e dentes. Uma vez, de tão juntos no acorde, sussurrámos «fala comigo» ao mesmo tempo e ainda sorrimos.... A tua mão distraida, passeando pelo meu peito, cheio de estranho cansaço, juvenil e impaciente, «estou de rastos e quero mais». Será isto o amor?
O silêncio. Até me beijares ao de leve e te escapulires por momentos, para reapareceres tão fresca como antes, «o cavalheiro, já abusou de mim, agora leve-me a jantar»...

Será isto o amor?
Julio Machado Vaz, "Estes Dificeis Amores"

Beijo da vossa amante...

PS- Prometo que não vos chateio mais com este livro... mas ele é absolutamente fabuloso... Recomendo...

2 comentários:

Anónimo disse...

Quanto mais leio o teu blog mais vontade tenho de te conhecer.
Tu tens uma sensibilidade propria de alguem que ama com todo o coração, deves ser linda.
Alguma dessas fotos é tua?

Eu gostava de ser teu amante

Anónimo disse...

Será isto realmente o Amor?
Sinceramente tenho as minhas duvidas!
Pedro